José Roberto Graiche Júnior*
Não há dúvidas da importância do papel das pequenas e médias empresas (PMEs) para a atividade econômica — e em todos os setores. Além de gerarem milhões de empregos e movimentarem as cadeias locais de produtos e serviços, as PMEs respondem por boa parte das locações comerciais no País. Especialmente em momentos de crise aguda como o atual, criar mecanismos de proteção e incentivo a essa parcela de empresas é fundamental para a recuperação da economia brasileira. No entanto, decisões recentes da primeira e segunda turmas do Supremo Tribunal Federal (STF) podem onerar significativamente as PMEs.
Em dois julgamentos (em 2020 e no início deste ano) as duas turmas do STF negaram a possibilidade de penhora de bem de família de fiador que assumiu a responsabilidade de garantir uma locação comercial nas situações de falta de pagamento. O entendimento difere do estabelecido pelo art. 3º da Lei nº 8.099/1990, que prevê o confisco da propriedade oferecida em garantia de contrato de locação imobiliária quando há inadimplência, independentemente de o imóvel ser de uso residencial ou comercial. É essa lei que, há pelo menos 30 anos, dá segurança jurídica para o mercado. Amparados pela legislação, os proprietários aceitam um único imóvel como fiança em um contrato de aluguel comercial.
Na prática, a interpretação, de alguns ministros do STF, dissonante da Lei 8.099/1990 tende a criar um ambiente de incertezas. É provável que, sem poder penhorar o imóvel único dado em garantia nas situações de inadimplência, os donos de imóveis comerciais passem a exigir um segundo bem como fiança. Essa nova dinâmica atinge em cheio as PMEs — que, sem condições de atender à exigência adicional, provavelmente terão que optar por alternativas mais caras, como o seguro fiança. Os proprietários, por sua vez, sem querer correr o risco da inadimplência sem cobertura, podem se ver diante da ameaça de vacância — agora e depois que a economia se recuperar superada a pandemia.
A AABIC estima que cerca de 60% dos contratos de locação comercial no País envolvem a fiança de apenas um imóvel, de propriedade de pessoas físicas. A prática está consolidada no mercado imobiliário, que amplamente aceita esse tipo de garantia, sempre com os cuidados que a operação requer.
Vale destacar que, no Brasil, são muito comuns contratos de locação comercial de PMEs em que o dono do negócio oferece um imóvel próprio (muitas vezes, o imóvel onde reside) como garantia.
Fato é que a interpretação da primeira e segunda turmas do STF abala o equilíbrio do mercado, tanto do ponto de vista das PMEs quanto da perspectiva dos locadores, ambos ainda sujeitos às consequências nefastas da pandemia de covid-19 sobre a economia. Um lado não poderá arcar com os custos da locação e o outro pode sofrer com espaços vazios por falta de inquilinos elegíveis. Pode se consolidar, então, um indesejável efeito dominó sobre os mais variados setores da economia, já que as PMEs estão presentes em uma enorme cadeia de negócios, e em todo o território nacional. É preciso que o colegiado reverta esse entendimento, para evitar esse cenário, buscando soluções que, ao contrário, mantenham as empresas ativas, empregando e gerando riquezas.
* José Roberto Graiche Júnior, presidente da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo