Desemprego e novas tecnologias motivam moradores a usar a própria unidade como escritório ou empresa, realidade que exige regras bem definidas e uma dose de bom senso
*Omar Anauate
O desemprego no Brasil voltou a aumentar e já atinge 13,7 milhões de pessoas segundo o IBGE. Nesse cenário de fragilidade do crescimento econômico, milhares de brasileiros tentam uma renda extra investindo em um negócio próprio, desenvolvido muitas vezes dentro da própria casa. Mas afinal, o morador pode abrir sua empresa e operar em um condomínio residencial? A resposta é não, mas as transformações das relações de trabalho exigem mediação e bom senso na hora de avaliar essa prática cada vez mais comum.
Antes de tudo é preciso ter em mente que instalar um negócio, contratar funcionários e manter um fluxo comercial no ambiente residencial é completamente diferente do trabalho no formato home office. Ter um escritório em casa é perfeitamente comum e aceito, segundo qualquer convenção condominial. O emprego remoto, aliás, ganha cada vez mais adeptos com a popularização dos dispositivos portáteis, um caminho sem volta para consultores, advogados, professores, jornalistas, designers, profissionais de TI, entre outros profissionais.
A situação começa a mudar de figura quando a atividade comercial começa a influenciar na rotina do prédio e a incomodar outros moradores. Isso ocorre geralmente quando o negócio exige um alto fluxo de mercadorias nas áreas comuns, carregamentos frequentes que ocupam o elevador e barulho fora do normal. Mais problemático ainda é o aumento da circulação de pessoas no condomínio, o que ameaça não só o sossego, mas a segurança dos moradores. Outra consequência é sobrecarregar o funcionamento do prédio, com possível aumento das despesas com energia, água e manutenção.
Vem se tornando rotina a locação do salão de festas para promover reuniões empresarias e organizar eventos, como bazares. A prática não é necessariamente proibida, mas requer autorização específica do condomínio. Restringir o espaço para atividades religiosas, políticas, esportivas e comerciais é um artigo comum no regulamento do uso do salão em muitos empreendimentos. Em alguns casos, porém, o síndico pode liberar as atividades, desde que compatíveis com o perfil dos moradores e mediante critérios para não perder o controle ou criar precedentes;
A capacidade de mediação do síndico, aliás, é fundamental para pacificar a situação. Alguns casos destoam e constituem quebras evidentes da destinação residencial do edifício, mas outros podem não impactar diretamente no dia a dia do condomínio e não incomodar os moradores.
Cabe ressaltar que o tema pode ser levado para deliberação em assembleia, que avaliaria se vale ou não a pena flexibilizar o uso das unidades. Caso os condôminos optem pela permissão, o síndico pode propor algumas medidas para amenizar as consequências, como limitar as atividades ao horário comercial e sugerir que os vendedores façam entregas de produtos apenas na portaria. É possível ainda permitir que os empresários registrem os endereços de suas pequenas empresas no condomínio apenas para questões fiscais e recebimento de mercadorias.
A atividade comercial em condomínios residenciais é algo que ocorre desde sempre de alguma forma, mas que tende a crescer e ganhar novas nuances com as tecnologias que mudam a forma como nos comunicamos e nos relacionamos. A questão ainda é pouco debatida, mas deve entrar de vez no radar dos síndicos e das administradoras em busca de uma regulamentação mais clara e compatível com a nossa realidade.
* Diretor de Condomínio da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC)